sábado, 6 de junho de 2009

Dor?

"Seria que a dor era inibida de se espraiar quando a vida me mobilizava noutras frentes?
Quando o tempo me fizera incobar anticorpos para o sofrimento? Que essa apatia era a minha forma muito própria de acusar os deuses e de declarar a minha inocência? Que existia um crédito de sofrimento até determinado montante, o qual, uma vez ultrapassado, me insensibilizara para sempre?
E a dor? Poderia ser adiada como um encontro indesejável ou uma chatice vulgar? Ou seria que esse confronto com a perda ou o desgosto de alguém era uma ameaça tão previsivelmente nociva para a minha ordem interior que era forçada a embalar a dor e a protelar essa catástrofe de ordem física, psíquica e moral pura e simplesmente congelando o coração?
Não sabia, nunca se sabe nada, mas desconfiava que a vida me levara a desenvolver um qualquer mecanismo de defesa que ou me tinha desumanizado para sempre, ou me permitiria aguentar novos e repetidos golpes por muitos e longos anos.
Duma coisa estava certa: mesmo quando parecia indolor, o sofrimento era como o cancro. Alastrava ser se dar por isso e espalhava metástases por toda a alma."



Rita Ferro

1 comentário:

Rui Mendes disse...

Seria eu também assim?!